Primeiro hospital público para bicho já 'pede socorro'
LAURA CAPRIGLIONE
DE SÃO PAULO
Soterrado pelo excesso de demanda, o primeiro hospital veterinário totalmente gratuito de São Paulo, no Tatuapé, zona leste, já deixa casos graves sem tratamento adequado, segundo proprietários de animais que acorreram ao serviço.
Inaugurado há dois meses e uma semana, o hospital foi implantado pela Prefeitura de São Paulo, a partir de convênio com a Anclivepa-SP (Associação Nacional de Clínicos Veterinários de Pequenos Animais). Por mês, a prefeitura repassa R$ 600 mil para o hospital.
Luciana Aparecida Albino, 34, reclama: "Marcaram para esta quinta-feira a cirurgia para a extração do tumor de meu cachorro. Mas o médico não foi. Tão jovem o serviço, e já está parecendo o SUS".
Ainda único hospital veterinário público de São Paulo (segundo o vereador Roberto Tripoli, do PV, a ideia é criar um em cada região da cidade), o do Tatuapé avisa logo na entrada: "Serviço gratuito, destinado prioritariamente a animais de abrigos e à população de baixa renda cadastrada em programas como o Bolsa Família".
Para serem atendidos, 30 novos animais por dia, fora os casos de emergência, os acompanhantes humanos deles têm de ser aprovados no teste de pobreza, conduzido por assistente social.
O que seria uma forma de restringir a demanda -quem pode pagar que se dirija a veterinários privados- dá origem a um desfile dantesco de dores caninas e felinas.
"Já esperávamos que a procura fosse grande. Mas ninguém poderia imaginar que se materializaria aqui uma tamanha concentração de sofrimento", disse à Folha o veterinário Renato Tartalia, 48, diretor do hospital.
"É que, se os donos são pobres, os animais são pobres ao quadrado", teoriza a balconista Daniela Pedras, 32, dona de seis cães e três gatos.
Em vez de ração, são animais que comem restos de comida humana e sofrem, por isso, de dor de dente e gengivite, como humanos. Sem tratamento, os tumores já chegam supurados (ou quase). E os cachorros morrem de cinomose, apesar de haver vacina eficaz. Mas custa R$ 50, e os donos não têm.
Calcula-se que São Paulo abrigue algo como 4 milhões de cães e gatos, para uma população humana de 11,5 milhões de habitantes.
Não se sabe, porém, qual percentual desses animais vive "abaixo da linha de pobreza" ou em situação de risco.
Agora, pela primeira vez, com o hospital, aquilo que era um problema da vida privada ganha visibilidade.
"O que estamos vendo é uma catástrofe, que afeta tanto a vida de animais, quanto a de seus donos, que sofrem por eles", diz o doutor Tartalia. "É preciso investir mais."
Por mês, a meta é realizar 180 cirurgias e mil consultas. "Este hospital é o primeiro. Seria injusto, agora que ele existe para cuidar dos animais, responsabilizá-lo por todas as dores do mundo", defende a protetora Solange dos Anjos Moura Leite, 56.